7/2/21

 

Subjuntivo à paulista

Ricardo Freire

http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EDR72886-5992,00.html


Na semana passada, políticos importantes de vários Estados reclamaram contra o excesso de candidatos paulistas à Presidência. Eu não tenho nada contra presidentes paulistas. A minha implicância é com o subjuntivo paulista. 

O subjuntivo - aquele modo verbal, lembra? Em São Paulo, a exemplo de certas leis, o subjuntivo tradicional nunca "pegou". Falar "que eu traga", "que eu venha" ou "que a gente faça" é ainda mais raro do que proferir uma frase com todos os devidos plurais. 

Você sabe que está em São Paulo quando ouve um "quer que eu venho?", ou um "quer que eu trago?", ou ainda um "quer que joga fora?". Sem distinção de classe, religião ou fator de proteção solar: você ouve o subjuntivo paulista tanto da boca do seu porteiro quanto da boca do seu chefe. 

Venha de onde vier o próximo presidente, não vai ser nesta gestão que o povo de São Paulo aceitará o subjuntivo castiço. Operar uma transformação cultural de tamanha magnitude - a ponto de fazer com que seu vizinho de baixo pare de dizer "quer que eu interfono?" - é trabalho para várias gerações. Antes de mais nada, contudo, é preciso estudar o fenômeno em toda a sua dimensão. 

Lançando mão da antropologia, da sociologia e de sofisticados conceitos de semiótica, pode-se entender o real significado e as verdadeiras intenções escondidas por trás das frases: (a) quer que eu jogue fora?; (b) quer que eu jogo fora?; e (c) quer que joga fora? 

Quer que eu jogue fora? Sim, de vez em quando o paulista escorrega e acaba usando o subjuntivo de maneira correta. Em alguns casos isso é fruto apenas de boa educação; em outros, de um esforço hercúleo para falar certo. Mas, na maior parte das vezes, o uso correto do presente do subjuntivo indica apenas indiferença. "Quer que eu jogue fora?" é uma pergunta que demonstra que a ação de jogar fora é mecânica, feita em nome da eficiência. A relação entre os interlocutores é fria, talvez estritamente profissional. Na seqüência do diálogo, o outro vai dizer "toma" - jamais "tó!". 

Quer que eu jogo fora? O uso do subjuntivo paulista na primeira pessoa denota grande intimidade entre os interlocutores, e um autêntico desejo de executar a ação proposta. Alguém que pergunte "quer que eu jogo fora?" está sinceramente interessado em jogar aquilo fora. Eu diria inclusive que esta pessoa vai jogar aquilo fora com o maior entusiasmo e um grande prazer. Outros exemplos onde isso fica mais claro: "quer que eu saio mais cedo?", "quer que eu peço mais uma?", "quer que eu mudo de canal?". 

Quer que joga fora? Cuidado. Quando o subjuntivo paulista é usado na terceira pessoa, é sinal de má vontade, desprezo e até mesmo indignação. Se a pessoa diz "quer que joga fora?", com certeza se acha muito superior à tarefa de jogar qualquer coisa fora. Ou seja: já está pensando em alguém para jogar aquilo fora por ela. A pessoa que diz "quer que chama um táxi?" jamais vai pegar o telefone e ligar para o radiotáxi - ela vai é pedir para a secretária da secretária da secretária. Se você prestar atenção, "quer que limpa a sua mesa?" demora muito mais do que "quer que eu limpo a sua mesa?", porque no primeiro caso o serviço evidentemente vai ser repassado a outro departamento. Olho vivo: subjuntivo paulista na terceira pessoa é terceirização na certa. 

Voltaremos em breve, quem sabe com um panorama completo do verbo "vim" (como em "eu vou vim") e um guia prático para o uso do verbo "tó" (como em "tó p'cê"). 


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