29/8/21

 Língua, ideologia e empoderamento

 Erika de Moraes*,

 O Estado de S.Paulo

05 de maio de 2016 | 20h11

O Dia da Língua Portuguesa é uma oportunidade para refletirmos sobre o significado social e político da linguagem em nossas vidas. Língua (não só a portuguesa) não se resume a um conjunto de normas de padronização (embora tais normas tenham funções importantes em termos de unidade e historicidade). 

Dizer que a língua não se resume às normas não implica negá-las ou minimizar a importância de aprendê-las, mas mostrar que seu conceito é muito mais amplo. Tomemos como exemplo o tema da aprovação, por deputados do Estado de Alagoas, de lei que obrigaria professores a manter ‘neutralidade’ em sala de aula, impedindo-os de ‘doutrinar’ alunos em assuntos políticos, religiosos e ideológicos. Além da inconstitucionalidade, que pode ser discutida em âmbito jurídico, tal lei parte de um pressuposto equivocado, o de que existiria uma forma de linguagem desprovida de ideologia. 

Com o nome ‘Escola Livre’, uma lei como essa, a rigor, imprime a censura nas salas de aula. Assim como a censura durante a ditadura militar instituía-se de forma arbitrária, somente por meio da arbitrariedade é possível decidir o que é ou não ideológico do ponto de vista linguístico-discursivo. Para quem se alinha a uma ideologia mais à direita, propostas voltadas ao social, à abertura de oportunidades mais igualitárias são vistas como ideológicas, esquerdistas, assistencialistas. Já para quem se identifica com ideias mais à esquerda, qualquer proposta que faça lembrar argumentos da direita - um exemplo, a defesa da meritocracia - será vista como equivocada e demonizada. 

Ora, qual a ideia certa? Qual a errada? Equivocado é acreditar que exista uma visão ideológica, outra neutra. Errado, de um ponto de vista teórico-científico, é supor que exista alguma maneira de interagir com a língua desprovida de ideologia. Digo interagir (e não usar) porque a língua não é mera ferramenta, é elemento constitutivo da identidade dos sujeitos. É por meio dela (seja qual for o idioma) que o ser humano significa sua própria existência e o mundo ao seu redor. É por isso que o domínio pleno da língua materna é empoderador. E, provavelmente, é pela mesma razão que a valorização do ensino e do professor seja tão precária em nosso país (é preciso vontade política de empoderar). 

Num Estado democrático e laico, os pensamentos religiosos e políticos devem ser livremente debatidos e opiniões divergentes devem ser respeitadas. Acreditar, porém, que existam argumentos neutros é pura falácia. A língua não é um instrumento promotor de ideologia, ela é ideologia, é vida. E isso não é um mal, é uma característica, da mesma natureza que o respirar. É redundante, portanto, dizer que alguém se comunica ideologicamente por meio da língua. 

Em celebração ao dia da língua, tento mostrar que ela é assunto muito mais interessante - sério e necessário - do que fazem parecer os simples lamentos de que a mal tratamos com concordâncias equivocadas. Não defendo equívocos normativos - em cerca de doze anos de ensino fundamental e médio, as escolas deveriam ter condições para corrigi-los. Mais grave, porém, é essa visão deturpada do que seja linguagem, a exemplo de como a veem os deputados de Alagoas. Infelizmente, eles não estão sozinhos. 

 

* Érika de Moraes, doutora em Linguística, com ênfase em Análise do Discurso, pelo Instituto de Estudos da Linguagem da Universidade Estadual de Campinas, é professora da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação da Unesp de Bauru


https://www.estadao.com.br/noticias/geral,analise---lingua--ideologia-e-empoderamento,10000049395

 

16/8/21

Educação
Ideologia

Elx, el@s, todxs? Na língua portuguesa, sem gênero neutro: apenas masculino e feminino 

De acordo com a linguística, substituir masculino e feminino por um gênero neutro não funciona 

Por Andressa Muniz, especial para a Gazeta do Povo 
02/01/2018 15:10


Na transição do latim para o português, a semelhança entre masculino e neutro fez com que ambas as categorias fossem resumidas em uma.| Foto: Daniel Castellano / Arquivo Gazeta do Povo.

“Elxs, el@s, todxs, tod@s, meninxs, menin@s” – a tentativa de eliminar preconceitos se reflete também em uma tentativa de mudar a língua portuguesa. Em uma iniciativa impulsionada por movimentos sociais, os discursos que se referem a um grupo de pessoas são modificados para não usarem o plural masculino – “eles”, “todos”, “meninos” – mas sim uma marcação de gênero neutro que substitui a terminação “o” por “x” ou “@”. 

Apesar das intenções de democratizar a língua portuguesa, o modelo quase não tem apoio científico. De acordo com a linguística: substituir masculino e feminino por um gênero neutro não é algo que funciona na língua portuguesa. Pelo menos não do modo como é discutido pelos movimentos sociais. 

Origens 

Segundo pesquisadores da área, usar o gênero masculino para se referir a um grupo de pessoas, homens e mulheres, não é uma forma de preconceito. A origem desse uso estaria no latim – que lançou as bases da língua portuguesa e de outras línguas latinas, como o francês e o espanhol. 

Assim, se o que é visto como gênero masculino, na verdade é um gênero neutro, não há prevalência do masculino nos discursos - o ponto que seria criticado ao sugerir a substituição de “o” por “x”, por exemplo. O único gênero que recebe marcação na língua portuguesa é o feminino. 

É isso que aponta o linguista Joaquim Mattoso Câmara Jr., em pesquisas sobre linguagem desenvolvidas desde a década de 1940. No artigo “Considerações sobre o gênero em português”, um dos principais trabalhos produzidos no Brasil sobre o tema, o linguista explica que o gênero feminino é, em português, uma particularização do masculino. Essa particularização é feita pela terminação “a”, que é diferente da terminação neutra “o”. 

Recentemente o pesquisador e professor da Unicamp Sirio Posseti destacou que a única marcação de gênero é o feminino. “Os nomes [substantivos] com marca de gênero, em português, coincidem exatamente com os que estamos acostumados a considerar femininos. Os outros casos, todos, seriam considerados sem gênero (inclusive os nomes considerados masculinos)”, diz. 

“É por isso que dizemos ‘o circo tem dez leões’ mesmo que tenha cinco leões e cinco leoas, mas não dizemos, no mesmo caso, que tem dez leoas. Também é por isso que se pode dizer que ‘todos nascem iguais em direitos...’, o que inclui as mulheres, mas não se incluiriam os homens se a forma fosse ‘todas nascem iguais em direitos...’.”, explica Posseti. 

Essa regra, chamada por pesquisadores da área de “masculino genérico”, surge nas origens da língua portuguesa. No latim, as palavras podiam receber três marcações de gênero: feminino, masculino e neutro – este último com a terminação “u”. Na transição do latim para o português, a semelhança entre masculino e neutro fez com que ambas as categorias fossem resumidas em uma só, que hoje entendemos como masculino. 

Polêmica global 

Uma discussão similar acontece na França: o movimento “Écriture Inclusive” (“Escrita Inclusiva”, em português) defende que a língua francesa é intrinsecamente machista e reivindica a adoção de gênero neutro como uma tentativa de combater o suposto preconceito. 

Um dos grupos por trás do movimento, “Mot-Clés” (“Palavras-chave”), diz que o francês é uma “língua falocêntrica” por favorecer o uso do masculino genérico. De acordo com o grupo, a mudança no uso da língua francesa seria um modo de “realmente mudar as mentalidades” das pessoas no país. 

No país, as críticas ao movimento apontam o caráter pouco prático de uma mudança profunda e artificial em uma das línguas mais faladas no mundo. A L'Académie française, organização encarregada de julgar assuntos relacionadas à língua francesa e que funciona de modo similar à Academia Brasileira de Letras, declarou que a escrita inclusiva representa um “perigo mortal” para a língua francesa

“Frente a essa aberração ‘inclusiva’, a língua francesa está agora em perigo mortal, pelo qual nossa nação é responsável agora para as gerações futuras”, declararam os imortais da L'Académie française. 

“Já é difícil aprender um idioma, como será se o uso acrescentar formas secundárias e alteradas? Como as gerações futuras crescerão com intimidade com nossa herança escrita? Quanto às promessas de um mundo francófono, elas serão destruídas se a língua francesa se enfraquecer com este aumento de complexidade, beneficiando outras línguas que se aproveitarão para prevalecer no planeta”, completou a entidade. 

Fonte:  https://www.gazetadopovo.com.br/educacao/elx-els-todxs-na-lingua-portuguesa-sem-genero-neutro-apenas-masculino-e-feminino-bm8jcy7i87jfe7geodpop4cbg/

Veja a origem de 10 expressões da língua portuguesa

Você certamente já usou uma ou outra expressão dessa lista a torto e a direito, mas será que você conhece a origem por trás delas? Para não te deixar com a pulga atrás da orelha, a SUPER te traz a curiosa história de dez expressões da língua portuguesa que costumamos utilizar no nosso dia-a-dia. 1. Santo do Pau Oco Hoje utilizamos a expressão “santo do pau oco” para designar pessoas dissimuladas, mas a origem dessa expressão é histórica e subversiva. No auge da mineração no Brasil, no período colonial, os impostos sobre o ouro e outros metais e pedras preciosas eram altíssimos. Para burlar esse esquema, imagens santas de madeira oca eram produzidas e depois recheadas de bens preciosos, como o ouro em pó. Desse modo, era possível passar pelas Casas de Fundição sem pagar os abusivos impostos à Coroa. Não é à toa que uma imagem sagrada que esconde vil metal virou sinônimo de falsidade e hipocrisia. 2. Amigo da onça A expressão “amigo da onça” tem origem em uma velha anedota, famosa nos anos 40, que vai mais ou menos assim: “Dois caçadores estão conversando: – O que você faria se estivesse na selva e aparecesse uma onça na sua frente? – Dava um tiro nela. – E se você não tivesse uma arma de fogo? – Furava ela com minha peixeira. – E se você não tivesse uma peixeira? – Pegava qualquer coisa, como um grosso pedaço de pau, para me defender. – E se não encontrasse um pedaço de pau? – Subia numa árvore – E se não tivesse nenhuma árvore por perto? – Saía correndo. – E se suas pernas ficassem paralisadas de medo? Nisso, o outro perdeu a paciência e explodiu: – Peraí! Você é meu amigo ou amigo da onça?” A expressão foi popularizada com a criação do “Amigo da Onça”, personagem do chargista Péricles Andrade Maranhão para a revista O Cruzeiro, cuja página foi a mais lida no período de sua publicação entre 1943 até 1961. O famoso personagem era irônico e crítico dos costumes brasileiros, e procurava sempre levar vantagem sobre os outros, além de viver colocando os amigos em situações perigosas ou embaraçosas. Seu nome acabou sendo, então, a inspiração para a expressão usada até hoje, de quando falamos daquele amigo sacana e falso. 3. Chorar as pitangas Essa expressão vem do início do processo de colonização do Brasil, quando houve um choque cultural entre os portugueses e os indígenas que viviam por aqui. Segundo os historiadores, os portugueses enfrentaram algumas dificuldades na nova terra e por isso buscaram incorporar alguns costumes dos índios. Com isso se deu início a diversas trocas culturais, inclusive de expressões que perpetuaram em nosso cotidiano. Bem, parece que a adaptação dos colonos por aqui não foi fácil, já que a expressão lusitana “chorar lágrimas de sangue” era bem usada por eles. Para os índios, porém, a fala não fazia muito sentido, tanto que tiveram que fazer uma adaptação. No caso, a palavra “sangue” foi substituída por “pitanga”, palavra derivada de “pyrang” que significa “vermelho” em tupi. Como quando se chora muito os olhos ficam vermelhos, nasceu a relação entre o chororô e a frutinha cor de sangue nativa da Mata Atlântica brasileira. 4. Ovelha negra A expressão “ovelha negra” é bastante usada, não só no Brasil, para designar alguém que destoa de um grupo, que não se encaixa por causa de diferenças. Quando usamos a expressão “ovelha negra da família”, estamos falando daquela pessoa que é diferente do resto de seus parentes: aquele filho tido como rebelde ou o que se destoa por suas atitudes e visões de mundo tidas como errôneas. A expressão surgiu com o pastoreio: apesar da maioria das ovelhas serem brancas, as vezes nascia um espécime preto, mais difícil de cuidar e que não acompanhava os outros animais. A preferência pela ovelha branca também tinha valor econômico, já que a lã branca podia ser tingida e assim tinha mais valor no mercado. O motivo do significado negativo da expressão também vem de antigas crenças de algumas religiões pagãs. Segundo essas crenças, todos os animais pretos eram maléficos, e muitas vezes eram sacrificados em homenagem aos deuses. 5. Acabou em pizza Essa expressão, bastante utilizada no meio político, é bem conhecida por nós: quantas vezes vimos uma situação mal explicada acabar em pizza, ou seja, sem que ninguém fosse punido ou responsabilizado? Por incrível que pareça, a origem desta expressão não veio da política, e sim do futebol. Aconteceu na década de 60, quando alguns cartolas palmeirenses ficaram 14 horas seguidas trancados numa reunião discutindo e brigando. No final estavam todos mortos de fome e resolveram ir a uma pizzaria, onde pediram 18 pizzas gigantes e muito chope. Depois de toda comilança e álcool, todos foram para casa, as brigas acabaram e não houve mais discussão. O episódio foi documentado pelo jornalista Milton Peruzzi na Gazeta Esportiva com a seguinte manchete: “Crise do Palmeiras termina em pizza”. 6. Rodar a baiana Quem “roda a baiana” é o tipo de pessoa que não leva desaforo pra casa. “Rodar a baiana” significa fazer um barraco, tirar satisfações de forma geralmente escandalosa. Quando você se deparar com aquela pessoa “barraqueira”, que roda a baiana por qualquer coisa, lembre-se das baianas no carnaval do Rio de Janeiro. Sim, porque a expressão não veio da Bahia como se possa imaginar, e sim dos desfiles de carnaval do século 20, onde as baianas eram figuras de destaque. Já naquela época elas enfrentavam um problema nada fácil de lidar: alguns rapazes tascavam beliscões nos bumbuns das moças, que não tinham como se defender. Para colocar um fim nessa situação desagradável, alguns capoeiristas passavam-se por seguranças delas, e se fantasiavam de baianas para vigiar os tais rapazes. Resultado: no primeiro sinal de desrespeito, aplicavam um golpe de capoeira. O público que assistia ao desfile não sabia o que estava acontecendo: só viam as baianas rodarem. 7. Olha o passarinho! Essa expressão vem do século XIX quando a fotografia foi inventada. Nessa época a tecnologia das câmeras fotográficas ainda engatinhava e a impressão da imagem no filme era bem lenta. As pessoas que iam ser fotografadas tinham que ficar imóveis por até 15 minutos até que a imagem fosse impressa na máquina. Se isso era desagradável para os adultos, para as crianças era particularmente difícil. Foi então que se teve a ideia de pendurar uma gaiola de passarinho atrás dos fotógrafos, para que o bichinho chamasse a atenção dos pequenos e eles ficassem imóveis. A expressão então ficou bastante conhecida e até hoje usada na fotografia. 8. Salvo pelo gongo Essa expressão, que significa ser salvo de uma encrenca nos últimos segundos, tem origem na Inglaterra. Tudo começou por não haver mais espaço para enterrar os mortos, então os caixões eram abertos, os ossos retirados e então levados para um ossário, e o túmulo ficava livre para ser usado por mais um defunto. Mas ao abrir alguns caixões os coveiros achavam arranhões no lado de dentro das tampas, o que indicava que o defunto em questão tinha sido enterrado vivo, já que a catalepsia era uma doença muito comum da época. Para evitar o problema eles começaram a amarrar uma tira no pulso do defunto, que passava por um buraco no caixão e era amarrado num sino. Por dois dias após a morte da pessoa, alguém ficava de plantão ao lado do túmulo. Se o sino tocasse, significaria que ela tinha sido literalmente salva pelo gongo. 9. Bode expiatório Essa expressão tem origem religiosa. Nas cerimônias hebraicas do Yom Kippur, o Dia da Expiação que acontecia na época do Templo de Jerusalém, um pobre animal era escolhido para ser apartado do rebanho e deixado ao relento na natureza selvagem como sacrifício, levando consigo todos os pecados da comunidade para serem expiados. Na Bíblia, essa cerimônia é descrita no livro do Levítico. Na teologia cristã, a figura do bode expiatório é um simbolismo para o sacrifício de Jesus, que deu a vida para salvar o mundo dos seus pecados. Hoje em dia a expressão perdeu sua carga religiosa, e é usada para descrever aquela pessoa que é escolhida, muitas vezes injustamente, para levar toda a culpa em situações em que as coisas não deram muito certo. 10. Sem eira nem beira Quando uma pessoa está “sem eira nem beira” ela está na pior, ao relento ou destituída do mínimo necessário para sobreviver. Para entender essa expressão, é preciso explicar as palavras: “eira” é um terreno de terra batida ou cimento onde grãos ficam ao ar livre para secar, e “beira” é a beirada da eira. Uma eira sem beira significa falta de proteção: assim os grãos eram levados pelo vento e o proprietário ficava de mãos vazias. O interessante é que na região Nordeste o ditado tem o mesmo significado, mas outra explicação semântica. Antigamente, as casas das pessoas mais abastadas tinham um telhado triplo: a eira, a beira e a tribeira, parte mais alta do telhado. As pessoas com menos condições não conseguiam fazer esse sofisticado telhado, construindo apenas a tribeira e ficando assim “sem eira nem beira”. Por isso, hoje utilizamos a expressão para designar pessoas destituídas de bens e de posses. Fonte: https://super.abril.com.br/blog/superlistas/veja-a-origem-de-10-expressoes-da-lingua-portuguesa/ https://outline.com/YgpES9 DECEMBER 21, 2016 - Por Darllam Cruz