24/5/21

 Abdias do Nascimento: conheça um dos maiores ativistas negros do Brasil

  • MARILIA MARASCIULO
 ATUALIZADO EM 
Abdias do Nascimento foi um dos maiores ativistas do movimento negro no Brasil (Foto: Paulo Moreira/Agência O Globo)Abdias do Nascimento foi um dos maiores ativistas do movimento negro no Brasil (Foto: Paulo Moreira/Agência O Globo)


Nascido em Franca, no interior de São Paulo, no dia 14 de março de 1914, Abdias do Nascimento foi uma das figuras mais proeminentes do movimento negro. Ao longo da vida, ajudou a fundar o Teatro Experimental do Negro (TEN), o Museu de Arte Negra (MAN) e o Instituto de Pesquisas e Estudos Afro-Brasileiros (Ipeafro), todos no Rio de Janeiro. 

Artista, professor universitário e político, Nascimento viveu até os 94 anos e morreu no dia 24 de maio de 2011, vítima de complicações por diabetes. Relembre sua trajetória:

Infância

Neto de uma ex-escrava, Abdias cresceu em uma família pobre. Começou a trabalhar aos 9 anos de idade, entregando leite e carne nas casas dos moradores mais ricos. Aos 11, ingressou na Escola de Comércio do Ateneu Francano com uma bolsa de estudos batalhada pela mãe junto ao prefeito da cidade. Na instituição, se formou em contabilidade em 1928, aos 15 anos. No ano seguinte, em busca de melhores condições financeiras, alistou-se no exército e foi morar em São Paulo.

Militância e formação intelectual

No exército, combateu na revolução constitucionalista, entre 1930 e 1932. Ao todo, passou seis anos como militar, período em que, paralelamente, ingressou em dois movimentos: a Frente Negra Brasileira (FNB) e a Aliança Integralista Brasileira (AIB). Trabalhou como repórter no jornal integralista e teve um contato aprofundado com a cultura brasileira, a arte, a literatura e a economia. Deixou a AIB por discordar de uma facção racista dentro da organização. Embora anos depois tenha sido criticado por fazer parte de um movimento de viés fascista, Abdias nunca renegou esse período, que considerou importante para sua formação intelectual.

No Rio de Janeiro

Em 1936, Nascimento foi expulso do exército acusado de indisciplina por causa de desentendimentos com a polícia. Diante de um acirramento da intolerância aos movimentos negros em São Paulo, decidiu se mudar para o estado do Rio de Janeiro, instalando-se em Duque de Caxias. Foi no município fluminense que ele começou a ter um contato mais aprofundado com as religiões de matriz africana.

Em 1937, um ano depois de iniciar os estudos em economia na Escola de Comércio Álvares Penteado, transferiu-se para a Universidade do Rio de Janeiro (hoje, a UFRJ), onde cursou bacharelado em Ciências Econômicas. Também passou a militar em movimentos contra o Estado Novo e o imperialismo, o que lhe rendeu uma temporada de quatro meses na prisão.

Foi no Rio de Janeiro que Abdias do Nascimento teve sua formação artística. Vivendo o rico universo cultural carioca, em 1939 ele conheceu os poetas argentinos Efraín Tomás Bó, Juan Raúl Young e Godofredo Tito Iommi, e com eles fundou a Santa Hermandad de la Orquídea. Nos dois anos seguintes, o grupo viajou pelo Brasil e pela América Latina apresentando recitais, participando de saraus e acompanhando peças de teatro.

Abdias do Nascimento foi artista, professor universitário e político (Foto: Jorge Marinho /Agência O Globo)

Abdias do Nascimento foi artista, professor universitário e político (Foto: Jorge Marinho /Agência O Globo)

Salvar

Em Lima, capital do Peru, o brasileiro assistiu a uma encenação de O Imperador Jones, que trata da questão racial americana. A peça, porém, foi encenada por um grupo argentino inteiramente composto por atores brancos, e aqueles que interpretavam personagens negros eram pintados. Isso o fez refletir sobre a ausência de negros no teatro brasileiro.

De volta ao Brasil

Enquanto rodava o continente com a Santa Hermandad, Nascimento respondia judicialmente pela confusão com os policiais de 1936. Na volta para o Brasil, em 1943, foi condenado e passou a cumprir sentença em São Paulo, no presídio do Carandiru. Na casa de detenção, criou o Teatro do Sentenciado, grupo composto somente por prisioneiros negros. Foi solto em 1944 e imediatamente voltou para o Rio de Janeiro.

A partir de sua experiência na cadeia e das reflexões surgidas no episódio do Peru, fundou o Teatro Experimental Negro. E a primeira peça do grupo não poderia deixar de ser O Imperador Jones, só que, dessa vez, com um elenco inteiramente negro. Encenada em apresentação única no dia 18 de maio de 1945, foi um sucesso de público, embora tenha recebido críticas de cunho racista.

Militância ativa e exílio

Nas décadas de 1950 e 1960, Nascimento continuou com sua militância ativa, participando de congressos, encontros e protestos. Fundou um braço político do TEN, criou um jornal e organizou o primeiro Congresso Negro Brasileiro. Mas, com o Ato Institucional Número Cinco (AI-5), instituído pelos militares em 1968 proibindo, entre outras coisas, a militância negra, Abdias decidiu se exilar nos Estados Unidos. Lá, teve contato com os movimentos locais, como os Panteras Negras, deu aula em universidades e militou ativamente no pan-africanismo, movimento que propunha a união entre as nações africanas e as culturas decorrentes da diáspora deste continente. No exílio, também se dedicou com afinco à sua carreira de artista plástico.

Mais uma vez de volta ao Brasil

O exílio terminou em 1981, mesmo ano em que criou o Ipeafro (Instituto de Pesquisas e Estudos Afro-Brasileiros). Com a reabertura política no ano seguinte, ele decidiu se candidatar a deputado federal no Rio de Janeiro pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), de Leonel Brizola. Foi eleito com a bandeira da luta contra o racismo. A partir daí, seguiu uma carreira política marcada pelo ativismo antirracista, com duas passagens pelo Senado, em 1991 e 1996. Recebeu ainda importantes reconhecimentos pela sua trajetória, como o Prêmio Toussaint Louverture pelos Extraordinários Serviços Prestados à Luta contra a Discriminação Racial, na sede da Unesco em Paris, em 2004.

Fonte: https://revistagalileu.globo.com/Sociedade/Historia/noticia/2020/09/abdias-do-nascimento-conheca-um-dos-maiores-ativistas-negros-do-brasil.html 

16/5/21

 Do jazz a Beyoncé, entenda como o afrofuturismo cria possibilidades de vida para a população negra

Movimento, que está presente na arte, na filosofia e na ciência, une ancestralidade africana e tecnologia para reconfigurar o imaginário global de que a negritude não está associada ao sucesso

Imagine uma viagem ao futuro, com elementos de alta tecnologia, mas, ao mesmo tempo, com toques de ancestralidade africana. Esse é o conceito do afrofuturismo, que há décadas protagoniza negros na arte, filosofia, teoria crítica e ciência. Mais do que uma corrente estética, o movimento levanta possibilidades de vivência negra em sociedades que não são marcadas pelo racismo e pela opressão, funcionando como crítica à realidade atual.

Nas histórias de filmes e séries ficcionais, o futuro está quase que completamente mecanizado, remetendo ao desenvolvimento de padrões de vida. A Wakanda de “Pantera Negra” é um exemplo famoso, ao misturar alta tecnologia e conexão com a ancestralidade. A partir deste conceito, a pesquisadora e especialista em afrofuturismo, Morena Mariah, explica que a ideia do movimento é reconfigurar o imaginário global de que a negritude não está associada à prosperidade e ao sucesso.

— Digamos que os negros foram abduzidos do continente africano e tratados como alienígenas nos territórios coloniais, ao serem escravizados sentem-se alienados de seu passado pelo apagamento histórico sistemático. Mas, a partir deste sentimento de alienação, produzem arte, filosofia, teoria crítica, movimentos políticos e sociais com objetivo de preservar sua cultura e resistir às constantes tentativas de genocídio — explica.

Apesar de o termo só ter sido cunhado na década de 1990 pela afro-americana Alondra Nelson, renomada escritora e socióloga, nos anos 1950 já existiam produções afrofuturistas na arte. Um dos principais nomes foi o compositor de jazz, poeta e “filósofo cósmico”, Sun Ra, pseudônimo usado por Herman Poole Blount, que afirmava ser de Saturno. Em suas composições, o artista misturava temas extraterrestres e futuristas com elementos da ancestralidade africana.

No entanto, segundo Morena, apesar dos mais de 20 anos do movimento, entre os brasileiros o conceito ficou esquecido por um tempo, voltando a ganhar força há cerca de cinco anos, por meio da iniciativa de jovens negros e negras das periferias.

— Apesar de ser necessário dialogar com pessoas mais velhas, hoje, é a juventude da favela, que é em sua maioria preta, que voltou a levantar a bandeira e formar uma potência. A gente tem o desejo de compreender nosso passado e construir a cidade e o modo de vida que queremos.

Fundadora do negócio de impacto social Afrofuturo, Morena apresenta o afrofuturismo nas comunidades como saída para criação de um imaginário onde negros sobrevivem à violência policial, à falta de oportunidades de estudos, aos salários menores e ao racismo institucional como um todo.

A rapper Helen N’zinga, que aborda o afrofuturismo em suas músicas, acredita que neste campo artístico é possível verbalizar as lutas e reivindicar o desejo de reparação histórica. Para tal, a cantora se inspira nos trabalhos do artista brasileiro Rincon Sapiência e de outros do exterior, como o rapper MHD e o duo feminino Oshun.

— No meu EP, eu retrato as pessoas pretas como sujeitos da história, pois a palavra tem o poder de criar a nossa realidade e a gente só visualiza aquilo que conseguimos falar. Então, por mais que não esteja tão em alta como novidade estética, o afrofuturismo é um recurso extremamente importante na música, no audiovisual e na pesquisa para projetar as pessoas negras no futuro — aponta.

Em seu disco denominado Nzinga Mbandi,  em homenagem a uma das rainhas de Dongo e Matamba, atual Angola, popularmente conhecida como Rainha Jinga, a rapper simboliza a luta da líder frente à colonização portuguesa. No clipe, Helen se veste a partir de um imaginário futurístico de como seria uma rainha angolana no século XXI: seu cabelo afro sendo a coroa, um olho mecanizado e o colar em metal, remetendo à tecnologia.

— Nesse trabalho, eu quis refletir a história das mulheres negras, que neste país são subalternizadas. Então fiz um resgate para refletir suas histórias, mas aquelas comuns como a da minha família, das pessoas do meu bairro, sob a representação da rainha Nzinga Mbandi, exemplo de resistência feminina e poder.

A sonoridade das músicas também leva conceitos afrofuturísticos, ao juntar diferentes ritmos afro populares e urbanos, como o jazz, trap e pagode baiano. Segundo Helen, seus raps carregam referências do passado e da atualidade, para unir e formar um som do futuro.

Para conhecer a arte afrofuturista:

MÚSICA:

Xênia França: cantora e compositora, Xenia fez sua estreia-solo na cena musical brasileira com seu álbum homônimo trazendo uma sonoridade essencialmente pop com toques de música eletrônica, jazz, samba-reggae, rock e R&B. Foi indicada ao Grammy Latino 2018 com seu maior sucesso “Pra que me chamas” e também para o Women Music Award 2018.

Karol Conká: grande nome do rap brasileiro e também da história do Big Brother Brasil 2021, a cantora traz em suas músicas o estilo futurista e referências africanas.

Beyoncé: o álbum visual “Black is King”, da cantora americana Beyoncé, se tornou um dos principais assuntos da esfera pop e do afrofuturismo. Da poderosa mensagem de orgulho negro às críticas pela maneira como retratou a África, a narrativa usa a fábula dos leões como ponto de partida para criar um panorama emocional, que costura elementos da história negra, referências a tradições africanas e imagens da África contemporânea.

LITERATURA:

Fábio Kabral: escritor afro-brasileiro de literatura fantástica e ficção científica. Seus livros abordam temas como sexualidade, ancestralidade africana, afrocentrismo e afrofuturismo. Entre os mais conhecidos estão “O caçador cibernético da rua 13” e “A cientista guerreira do facão furioso”.

Lu Ain-Zaila: escritora afrofuturista/sankofista, ativista social e pedagoga. Luciana, como também pode ser chamada, escreve no gênero cyberfunk – subgênero da ficção científica encontrado na trilogia”Matrix”, trazendo cenários de desigualdade, guerras, resistência das periferias, juntamente com o clima de festa e carnaval presente nas mesmas.

ARTES VISUAIS:

Cyrus Kabiru: conhecido por sua coleção de óculos, C – Stunners e suas fotografias de auto-retratos que o capturam usando suas criações. O trabalho de Kabiru trata da imaginação do futuro e da transformação da modernização

Krista Franklin: através da arte de colagens, ela aborda em seu trabalho uma mistura de poéticas, cultura popular e história da diáspora africana. Para isso, a artista utiliza elementos do fantástico, surrealismo, fotografia negra, mitologia e consciência coletiva.

AUDIOVISUAL:

Pantera Negra: o filme dirigido por Ryan Coogler acompanha T’Challa, que volta para a isolada e tecnológica nação africana de Wakanda para se tornar rei. Mas, com o aparecimento de um poderoso inimigo, os poderes do Pantera Negra são testados, colocando em risco o futuro de Wakanda, abundante em Vibranium, e de todo o mundo que cobiça o metal.

O último anjo da história: um ensaio fílmico dirigido por John Akomfrah sobre a estética negra que traça as ramificações da ficção científica dentro da cultura pan-africana. Akomfrah articula o uso de imagens, da nave espacial e do alienígena no trabalho de três músicos de gênio excêntrico – Sun Ra, George Clinton e Lee Perry –, para em seguida abordar a obra dos escritores da ficção científica negra Octavia Butler e Samuel Delany.

Branco sai, preto fica: no filme dirigido por Adirley Queirós, tiros em um baile de black music em Brasília ferem dois homens, que ficam marcados para sempre. Um terceiro vem do futuro para investigar o acontecido e provar que a culpa é da sociedade repressiva.

Fonte: https://www.geledes.org.br/do-jazz-a-beyonce-entenda-como-o-afrofuturismo-cria-possibilidades-de-vida-para-a-populacao-negra/