24/2/21

Comunicação inclusiva


O Secretariado-Geral do Conselho da União Europeia lançou um guia de “comunicação inclusiva” em língua portuguesa, de forma a que a comunicação “inclua todas as pessoas e evite estereótipos”.

 O documento, que conta com versões em todas as línguas oficiais da União Europeia, destaca a questão do género. “A linguagem sensível à questão do género trata as mulheres e os homens de forma igual, sem perpetuar as percepções estereotipadas dos papéis de cada pessoa em função do género. Ao ponderar alternativas sensíveis à questão do género, é preciso ter sempre em conta eventuais ambiguidades ou inflexões de sentido e escolher a solução mais adequada”, refere o documento.

O documento propõe, a título de exemplo, que se substitua a designação “o coordenador” por “a coordenação”; “o interessado por “a pessoa interessada”; “os políticos” por “classe política”; “os professores/enfermeiros” por “pessoal docente/de enfermagem” ou “as senhoras da limpeza por “pessoal da limpeza”. “Nas referências ao conjunto do género humano deverão utilizar-se expressões como a 'humanidade', o 'ser humano', ou as 'pessoas', em vez do termo 'homem'”, destaca o mesmo texto.

No que se refere às relações de casal, os documento da União Europeia defende que termos "parceiro/parceira" ou "cônjuge" são mais inclusivos do que "marido/mulher". O documento explica ainda que a linguagem oral ou escrita deve pôr sempre a tónica na pessoa. “Em vez de 'as lésbicas, os gays, os bissexuais, os transgénero, os intersexo', diga ou escreva 'pessoas lésbicas, gays, bissexuais, transgénero e intersexuais' ou 'pessoas LGBTI'". Encontras o documento completo aqui. 

 

Fonte: https://dezanove.pt/um-guia-para-promover-a-linguagem-1182679



16/2/21

 Sequência textual (Tipos Textuais, Sequências Tipológicas ou Discursivas):

A sequência textual é uma teoria que faz parte do cotidiano escolar como o gênero discursivo/textual. Foi pensada por Jean-Michel Adam que conceitua sequência textual como um mecanismo de textualização e um conjunto de proposições psicológicas que se estabilizam como recurso composicional de vários gêneros. O autor baseou-se nas reflexões de gêneros discursivos e enunciado de Bakhtin, protótipo de Rosch, base e tipo de texto de Werlich e superestrutura de Van Dick.

São as cinco sequências - narrativa, argumentativa, explicativa, dialogal e descritiva – correspondendo a cinco tipos de relações de sentido memorizadas por meio da assimilação que ocorre na esfera cultural (através da fala, escrita, produção de textos e escuta). São espécies de “guarda-chuvas” agrupadores de características estruturais – formatação textual, escolhas de palavras e frases – e enunciativas/psicológicas – objetivo textual, esfera por onde circula, público-alvo, ideia de lugar, tempo, etc. – que abarcam diferentes gêneros discursivos/textuais em si, os quais apresentam características comuns.
Todo texto apresenta características que o enquadra dentro de uma sequência textual, no entanto não há texto que tenha apenas as características de uma das cinco sequências, pois o texto costuma apresentar traços de várias delas dentro de si e alguns textos de uma maneira tal que são considerados híbridos. Não há textos, portanto, puros neste sentido, mas uma sequência pode se tornar predominante, classificando o texto enquanto narrativo, descritivo, etc., com trechos de outras, explicativa, argumentativa, entre outros.

Referências:
ADAM, M. A linguística textual: introdução à linguística textual dos discursos. São Paulo: Cortez, 2008.
MEURER, J. L.; BONINI, A.; MOTTA-ROTH, D. (orgs.). Gêneros: teorias, métodos, debates. 2. ed. São Paulo: Parábola, 2005.
Conhecimento Prático Língua Portuguesa. Sequências textuais nos estudos de Jean Michel Adam. Edição 57.

7/2/21

 

Subjuntivo à paulista

Ricardo Freire

http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EDR72886-5992,00.html


Na semana passada, políticos importantes de vários Estados reclamaram contra o excesso de candidatos paulistas à Presidência. Eu não tenho nada contra presidentes paulistas. A minha implicância é com o subjuntivo paulista. 

O subjuntivo - aquele modo verbal, lembra? Em São Paulo, a exemplo de certas leis, o subjuntivo tradicional nunca "pegou". Falar "que eu traga", "que eu venha" ou "que a gente faça" é ainda mais raro do que proferir uma frase com todos os devidos plurais. 

Você sabe que está em São Paulo quando ouve um "quer que eu venho?", ou um "quer que eu trago?", ou ainda um "quer que joga fora?". Sem distinção de classe, religião ou fator de proteção solar: você ouve o subjuntivo paulista tanto da boca do seu porteiro quanto da boca do seu chefe. 

Venha de onde vier o próximo presidente, não vai ser nesta gestão que o povo de São Paulo aceitará o subjuntivo castiço. Operar uma transformação cultural de tamanha magnitude - a ponto de fazer com que seu vizinho de baixo pare de dizer "quer que eu interfono?" - é trabalho para várias gerações. Antes de mais nada, contudo, é preciso estudar o fenômeno em toda a sua dimensão. 

Lançando mão da antropologia, da sociologia e de sofisticados conceitos de semiótica, pode-se entender o real significado e as verdadeiras intenções escondidas por trás das frases: (a) quer que eu jogue fora?; (b) quer que eu jogo fora?; e (c) quer que joga fora? 

Quer que eu jogue fora? Sim, de vez em quando o paulista escorrega e acaba usando o subjuntivo de maneira correta. Em alguns casos isso é fruto apenas de boa educação; em outros, de um esforço hercúleo para falar certo. Mas, na maior parte das vezes, o uso correto do presente do subjuntivo indica apenas indiferença. "Quer que eu jogue fora?" é uma pergunta que demonstra que a ação de jogar fora é mecânica, feita em nome da eficiência. A relação entre os interlocutores é fria, talvez estritamente profissional. Na seqüência do diálogo, o outro vai dizer "toma" - jamais "tó!". 

Quer que eu jogo fora? O uso do subjuntivo paulista na primeira pessoa denota grande intimidade entre os interlocutores, e um autêntico desejo de executar a ação proposta. Alguém que pergunte "quer que eu jogo fora?" está sinceramente interessado em jogar aquilo fora. Eu diria inclusive que esta pessoa vai jogar aquilo fora com o maior entusiasmo e um grande prazer. Outros exemplos onde isso fica mais claro: "quer que eu saio mais cedo?", "quer que eu peço mais uma?", "quer que eu mudo de canal?". 

Quer que joga fora? Cuidado. Quando o subjuntivo paulista é usado na terceira pessoa, é sinal de má vontade, desprezo e até mesmo indignação. Se a pessoa diz "quer que joga fora?", com certeza se acha muito superior à tarefa de jogar qualquer coisa fora. Ou seja: já está pensando em alguém para jogar aquilo fora por ela. A pessoa que diz "quer que chama um táxi?" jamais vai pegar o telefone e ligar para o radiotáxi - ela vai é pedir para a secretária da secretária da secretária. Se você prestar atenção, "quer que limpa a sua mesa?" demora muito mais do que "quer que eu limpo a sua mesa?", porque no primeiro caso o serviço evidentemente vai ser repassado a outro departamento. Olho vivo: subjuntivo paulista na terceira pessoa é terceirização na certa. 

Voltaremos em breve, quem sabe com um panorama completo do verbo "vim" (como em "eu vou vim") e um guia prático para o uso do verbo "tó" (como em "tó p'cê"). 


 Qual o limite?

 Por Hora do Povo  Publicado em 30 de abril de 2019

JANE TUTIKIAN - vice-reitora da UFRGS

Enquanto países que buscam o desenvolvimento e o bem-estar do povo investem na educação, o Brasil escolhe exatamente o caminho contrário e com alvo definido: a universidade pública.

As acusações são de toda ordem, da corrupção à ideologia. De repente, todos os gestores se tornaram corruptos e todos os professores universitários se tornaram inimigos do Brasil.

A origem de tudo isso tem nome: medo. Medo de um povo que tenha acesso a uma educação de qualidade, porque ela faz pensar e o pensamento é, em si, detonador de transformações. Transformações para o desenvolvimento do país, transformações para a justiça social.

O medo nega, desqualifica e exclui. Portanto, é preciso eliminar a área das Humanidades das universidades públicas, é preciso tirar do caminho a Filosofia e as Ciências Sociais, porque “não dão retorno imediato”. Desde quando o papel da universidade é gerar retorno imediato?

Universidade é mais, muito mais do que isso: é patrimônio da sociedade, é onde se produz conhecimento, e as Humanidades têm um papel fundamental nesse contexto. Pode-se imaginar uma vida sem literatura, sem artes, sem história, sem pensamento? Uma vida sem cultura!

Além da escassez de recursos para manter a universidade pública, gratuita e inclusiva, agora, querem nos tomar – de nós todos – o direito de sermos humanos e de sonharmos com um futuro melhor, estão querendo nos tirar a capacidade de pensar, quando pensar não é tão pouco assim que possa ficar à margem do que somos! O centro da cultura é o próprio ser humano! Roubar-nos esta capacidade é reduzir-nos a marionetes de um sistema que sequer disse a que veio, a não ser pela destruição da universidade pública.

Um país sem universidade tem aprofundadas as desigualdades sociais. Uma universidade sem a área das Humanidades nos reduz ao personagem de Tempos Modernos, do Charles Chaplin, apertando parafusos no ar. É do que o Brasil precisa, pessoas capazes de fazer e incapazes de pensar sobre aquilo que fazem?

Há que haver limites! E eles só serão dados pela sociedade.

Fonte: https://horadopovo.com.br/qual-o-limite/ 

Como usar linguagem neutra e por que é importante

2/2/21

O Machismo na linguagem

 O MACHISMO NA LINGUAGEM

 Parábola Editorial  Francisco Jardes Nobre De Araújo  Segunda, 04 Mai 2020



Francisco Jardes Nobre de Araújo

Num mundo dominado por homens, a mulher é tratada como um ser diferenciado, que merece uma designação especial. Enquanto a expressão “o homem” pode equivaler a “o ser humano”, como na frase “O homem é mortal”, a expressão “a mulher” só se refere aos seres humanos do gênero feminino.  Ou seja, na mentalidade androcêntrica, o conceito de “homem” se confunde com o de “ser humano”, enquanto o de “mulher” não, e a primeira imagem de ser humano ou de qualquer outro animal que vem à cabeça é a de um espécime macho.

Desde as línguas mais antigas da grande família linguística indo-europeia, a mulher sempre recebeu uma denominação à parte, o que não aconteceria se ela fosse vista em pé de igualdade com os homens. O substantivo latino homo designava tanto o ser humano em geral, quanto o ser humano do sexo masculino, que também podia ser designado por vir (daí viril), enquanto o ser humano do sexo feminino era feminaHomo, em sua forma acusativa hominem, passou às línguas românicas ― homme (francês), home (galego, catalão), hombre (espanhol), uomo (italiano), om (romeno) etc. ― conservando a duplicidade semântica. Se a designação do ser humano do sexo masculino se faz por um termo pan-românico nas diferentes línguas românicas (embora a palavra romena om seja rara hoje com esse sentido), a do ser humano do sexo feminino se dá por substantivos de diversos étimos latinos: é femme em francês, donna em italiano, mujer em espanhol, mulher em português, femeie em romeno, dona em catalão etc.  O mesmo se dá nas línguas germânicas. O termo germânico para “homem” (mann) existe em todas as línguas da família (é Mann em alemão e em norueguês, mand em dinamarquês, man em inglês, sueco e holandês), mas essas línguas têm termos de origens diferentes para “mulher”: woman em inglês, Frau em alemão, kvinna em sueco etc.

Designar por meio de um substantivo feminino diferente do masculino a fêmea de uma espécie animal que tem importância na cultura de determinado povo é um procedimento comum na maioria dos idiomas do mundo. Nas línguas românicas, por exemplo, têm-se pares de substantivos de raízes diferentes para nomear macho e fêmea de espécies culturalmente importantes. Assim, em português, temos boi/vaca, bode/cabra, carneiro/ovelha, cavalo/égua etc. Já para as espécies em que a distinção entre machos e fêmeas não tem tanta importância, usam-se substantivos de mesma raiz, com alteração apenas no final da palavra (gato/gata, cachorro/cachorra, javali/javalina etc.) ou sem nenhuma alteração, como em cobra, girafa, tigre etc., nomes que designam tanto o macho, quanto a fêmea. Em inglês, a palavra para mulher é woman, que, etimologicamente, significa “homem mulher”, ou seja, “homem do sexo feminino” (de wif, “mulher”, + mann, “ser humano”). A propósito, a palavra wif do inglês antigo para designar a mulher era do gênero neutro, como também seu cognato alemão Weib, que atualmente adquiriu sentindo ofensivo, sendo substituído por Frau.

A língua também revela um tratamento diferenciado dado à mulher na sociedade ao conter designações específicas para ela, inexistentes para o homem. A mulher de um chefe de governo é chamada de “primeira-dama”, mas o marido de uma mulher que desempenha aquele cargo não é chamado de “primeiro-cavalheiro”. Do mesmo modo, a mulher de um embaixador é uma “embaixatriz”, mas o marido de uma embaixadora não é um embaixador. Essas designações dão a falsa impressão de valorização da mulher, quando, na verdade, sugere a ideia de que ela é propriedade do homem.

Conta-se que Cecília Meireles recusava a designação de “poetisa”, por achar que esse termo não tinha a mesma conotação de “poeta” (usado para os homens), ao contrário, soava como minorativo, ou mesmo pejorativo. Por outro lado, Dilma Roussef exigia que a tratassem por “presidenta”, em vez de “presidente”, para enfatizar que quem ocupava o cargo de chefe da nação brasileira era, depois de mais de um século de domínio masculino, finalmente uma mulher.

Em ambos os casos, percebe-se o peso que o substantivo com marca de gênero feminino tem para a representação da mulher na sociedade. Se a igualdade de gêneros fosse uma realidade, distinções como essas não fariam parte de nossas discussões. (...)


 Fonte: https://www.parabolablog.com.br/index.php/blogs/o-machismo-na-linguagem