Elx, el@s, todxs? Na língua portuguesa, sem gênero neutro: apenas masculino e feminino
De acordo com a linguística, substituir masculino e feminino por um gênero neutro não funciona
Na transição do
latim para o português, a semelhança entre masculino e neutro fez com que ambas
as categorias fossem resumidas em uma.| Foto: Daniel Castellano / Arquivo
Gazeta do Povo.
“Elxs, el@s,
todxs, tod@s, meninxs, menin@s” – a tentativa de eliminar preconceitos se
reflete também em uma tentativa de mudar a língua portuguesa. Em uma iniciativa
impulsionada por movimentos sociais, os discursos que se referem a um grupo de
pessoas são modificados para não usarem o plural masculino – “eles”, “todos”,
“meninos” – mas sim uma marcação de gênero neutro que substitui a terminação
“o” por “x” ou “@”.
Apesar das
intenções de democratizar a língua portuguesa, o modelo quase não tem apoio
científico. De acordo com a linguística: substituir masculino e feminino por um
gênero neutro não é algo que funciona na língua portuguesa. Pelo menos não do
modo como é discutido pelos movimentos sociais.
Origens
Segundo
pesquisadores da área, usar o gênero masculino para se referir a um grupo de
pessoas, homens e mulheres, não é uma forma de preconceito. A origem desse uso
estaria no latim – que lançou as bases da língua portuguesa e de outras línguas
latinas, como o francês e o espanhol.
Assim, se o que
é visto como gênero masculino, na verdade é um gênero neutro, não há
prevalência do masculino nos discursos - o ponto que seria criticado ao sugerir
a substituição de “o” por “x”, por exemplo. O único gênero que recebe marcação
na língua portuguesa é o feminino.
É isso que
aponta o linguista Joaquim Mattoso Câmara Jr., em pesquisas sobre linguagem
desenvolvidas desde a década de 1940. No artigo “Considerações sobre o gênero
em português”, um dos principais trabalhos produzidos no Brasil sobre o tema, o
linguista explica que o gênero feminino é, em português, uma particularização
do masculino. Essa particularização é feita pela terminação “a”, que é
diferente da terminação neutra “o”.
Recentemente o
pesquisador e professor da Unicamp Sirio Posseti destacou que a única
marcação de gênero é o feminino. “Os nomes [substantivos] com marca de gênero, em português, coincidem
exatamente com os que estamos acostumados a considerar femininos. Os outros
casos, todos, seriam considerados sem gênero (inclusive os nomes considerados
masculinos)”, diz.
“É por isso que
dizemos ‘o circo tem dez leões’ mesmo que tenha cinco leões e cinco leoas, mas
não dizemos, no mesmo caso, que tem dez leoas. Também é por isso que se pode
dizer que ‘todos nascem iguais em direitos...’, o que inclui as mulheres, mas
não se incluiriam os homens se a forma fosse ‘todas nascem iguais em
direitos...’.”, explica Posseti.
Essa regra,
chamada por pesquisadores da área de “masculino genérico”, surge nas origens da
língua portuguesa. No latim, as palavras podiam receber três marcações de
gênero: feminino, masculino e neutro – este último com a terminação “u”. Na
transição do latim para o português, a semelhança entre masculino e neutro fez
com que ambas as categorias fossem resumidas em uma só, que hoje entendemos
como masculino.
Polêmica
global
Uma discussão
similar acontece na França: o movimento “Écriture Inclusive” (“Escrita
Inclusiva”, em português) defende que a língua francesa é intrinsecamente
machista e reivindica a adoção de gênero neutro como uma tentativa de combater
o suposto preconceito.
Um dos grupos
por trás do movimento, “Mot-Clés” (“Palavras-chave”), diz que o francês é uma
“língua falocêntrica” por favorecer o uso do masculino genérico. De acordo com
o grupo, a mudança no uso da língua francesa seria um modo de “realmente mudar
as mentalidades” das pessoas no país.
No país, as críticas ao movimento apontam o caráter pouco prático de uma mudança profunda e artificial em uma das línguas mais faladas no mundo. A L'Académie française, organização encarregada de julgar assuntos relacionadas à língua francesa e que funciona de modo similar à Academia Brasileira de Letras, declarou que a escrita inclusiva representa um “perigo mortal” para a língua francesa.
“Frente a essa
aberração ‘inclusiva’, a língua francesa está agora em perigo mortal, pelo qual
nossa nação é responsável agora para as gerações futuras”, declararam os
imortais da L'Académie française.
“Já é difícil
aprender um idioma, como será se o uso acrescentar formas secundárias e
alteradas? Como as gerações futuras crescerão com intimidade com nossa herança
escrita? Quanto às promessas de um mundo francófono, elas serão destruídas se a
língua francesa se enfraquecer com este aumento de complexidade, beneficiando
outras línguas que se aproveitarão para prevalecer no planeta”, completou a
entidade.
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